terça-feira, 10 de novembro de 2015

Nomes - M.T.



- Ena avôzinho, o monte desarrumado já está bem mais pequeno hein? - E deixo-lhe um café na mesa.

Ele aponta para o chão, para a mala de médico de província aberta. Cheia de papéis.

- Ainda falta aquilo tudo, Silva.

Tiro um. À sorte.

" Nomes - M.T.

Tenho tanto para me calar contigo que não me chega a vida toda. A minha mais a tua. Há sempre tanto que temos para não nos dizermos, neste nosso modo de andar à volta do que aqui nos trouxe, sem precisar de concretizar. Dando palavras às coisas, deixando que se percam em volta dos lugares e das nossas pessoas que, invariavelmente, os preenchem. Sem nunca as fazer pousar no assunto. Seja qual for esse assunto premente que nos faz desconversar sobre qualquer coisa. Menos sobre ele. Porque os teus olhos me disseram tudo e a minha gargalhada acrescentou o que pudesse faltar.

É como acordar a meio da noite e não precisar de acender a luz para se saber que se está em casa. Ou não. Devo-te, para lá do que alguma vez te poderei pagar, este desaguar no meu lugar. A absoluta certeza de que pertenço a algo maior. A um Nós que corporizas, que existe só em ti: Todos os teus, o sangue inteiro, em ti. Mãe, Filha e o nosso Sagrado Espírito.

Oh sim, eu sei que é pouco provável que tudo possa mesmo ser como eu sinto. Mas conhecer os degraus onde tropeças, as clareiras das tuas imensas falhas, redime-me comigo. Soa-me tão bem a minha voz quando responde à tua. É tão pura a gargalhada que partilhamos, sempre. E nascem risos tão espantosamente novos da memória daqueles primeiros, primitivos, que povoam as ilhas das nossas - fastidiosas? - recordações. 

No fundo, tudo o que tenho hoje para não te dizer é que me tornas nós. Todos. Os mortos, os velhos, os novos e os por nascer. Comungo em ti. Sou tão melhor por me amares. E maior.

Tenho tantos silêncios para partilhar contigo que não me chegam os dias todos. Quero tanto o conforto do teu cheiro, do teu ar, que temo quebrá-lo. Procuro não lhe tocar. Calo-me. Contigo. "


...

Volto em silêncio para trás do meu balcão.

9 comentários:

  1. comento pouco mas leio sempre. e continua a ser um prazer, caro homónimo. é verdade, também para lá anda um Silva no meu cêcê. fruto do meu avô, vês?

    um abraço,
    Jorge

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    1. Toda a gente tem um Silva :)
      E a sério, caro central italiano, fico mesmo contente que por cá passes.
      Ah, e ainda bem que o Porta está a 100% de novo. Houve uns dias em que não dava para entrar. Se é para fechar uma porta, fechem a 18 :)
      Abraço.

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  2. És grande. Enorme. Como o estado orgásmico de um golo pleno de vitória no último segundo, do último minuto, do tempo de descontos.
    E é como disse o Vassalo e eu corroboro: fantástico!

    abr@ço forte
    Miguel | Tomo III

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  3. Oh, nem sei o que vos diga. E detesto ficar calado. Obrigado? Pode ser: muito obrigado. Mas se continuo a inchar, qualquer dia expludo. Sabe bem na mesma ;)

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  4. Só comento para o cumprimentar, porque depois de ler estas belas palavras, fica-se em silêncio a "conversar" com elas.

    Abraço

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